terça-feira, 2 de outubro de 2012

Obrigada Hebe


Não é de hoje que observo trajetórias e as mais variadas histórias de vida com curiosidade. Nenhuma surpresa já que esse é um dos traços mais marcantes da carreira que escolhi. O que só me faz ter cada vez mais certeza de que nada é mesmo por acaso nessas vidas todas. Quem quer que seja essa força superior que alinhava, dirige, acrescenta capítulos ou corta as cenas de nossas novelas particulares e sem muita audiência, é alimentado com largas doses de bom senso. Não se trata de uma visão maniqueísta da vida de que o que nos é tirado aqui, logo é nos dado ali. Talvez seja bem mais simples. Tudo é uma questão de papel de cada um a ser cumprido. Por isso as mortes precoces nos soam tão injustas. O fato é que todas as pessoas não nascem com tudo e tampouco, ao longo de suas existências, seguem bem sucedidas em todas as áreas das suas vidas. Nem a boneca Barbie é perfeita, ou não precisaria ser tanta coisa ao mesmo tempo para driblar a meninada, seus pais e o bolso deles. Se o trabalho vai bem, algo parece errado no casamento. Se a conta bancária anda farta, alguma relação se estremece. É assim a deliciosa e tensa movimentação terrena. Mães perfeitas talvez deixem a desejar um pouco em suas carreiras. Assim como profissionais exemplares possivelmente poderiam ser mais presentes na educação de seus filhos. E assim por diante. Quando escolhemos um caminho a seguir, estamos com clareza, deixando de dar passos objetivos na direção de outro. É a ordem natural. É esse equilíbrio, ou a falta dele, que algumas vezes independe da nossa vontade ou esforço, o que divide as características entre as pessoas e as diferencia. Por isso, apesar de ter cumprido seu papel com maestria inigualável por aqui, o Brasil sente a morte de Hebe Camargo. Alguém que viveu intensamente seus 83 anos sem receio ou culpa por ser escancaradamente muito feliz. Além do talento como apresentadora, foram sua ousadia, generosidade e espontaneidade que merecidamente lhe deram a coroa e o cetro de rainha máxima da televisão brasileira. Escolheu ser artista quando era "permitido" às mulheres uma bonita, porém tímida carreira de professora. Era ali, no improviso do auditório, que a estrela de Hebe brilhava mais do que suas joias e paetês. Mandando longe o Maluf, errando o nome do patrocinador ou elogiando sem nenhuma economia quem estivesse por perto. Hebe era daquelas pessoas que também sentia prazer em fazer feliz. Seu sucesso tem a ver com algo que não se compra em loja, não se encomenda na Internet e nem se aprende em Harvard. Não passava os dias a gargalhar porque era melhor amiga da Nair Belo ou porque nunca teve dificuldades profissionais e pessoais. A decisão de ser desconcertantemente feliz e agradecida por isso foi uma escolha antiga da apresentadora. Um caminho que ela decidiu seguir, ignorando todos os outros rumos e a opinião de muita gente requintada que acha cafona morrer de rir aos 20, 30, 40 ou 80 anos. Mais do que por qualquer outro motivo, por isso que eu sempre adorei a Hebe. Que dançava como se soubesse, cantava como se agradasse, comandava multidões com seu melhor roteiro: o da sua alma. Xingava o chefe com a mesma doçura com que enchia de palavras carinhosas seus entrevistados, Roberto Carlos ou o contra-regra. Com o dedo em riste no nariz dos políticos, misturava fúria, esperança e deboche em um olhar raro e corajoso. Encarando a câmera, a censura e quem mais ousasse controlar sua opinião e sua vontade de fazer diferente. Rindo de nervosa no velório ou chorando de emoção com o beijo da novela... Obrigada Hebe. Por ter sido só você. Aos nossos olhos, sempre assim, tão feliz.

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