Engraçado
como a vida real de cada um está quase sempre bem distante de muitos dos ideais
humanos. Especialmente em tempos em que opiniões, imagens, bandeiras e hábitos
estão ao alcance de um clique e de quem mais quiser saber, julgar ou
disseminar. Fica fácil assumir posturas responsáveis e politicamente corretas quando nada se tem a perder, nem a ganhar,
além de uma inconsistente meia dúzia ou não de curtições virtuais. Vestir a
carapuça é simples, complicado é nascer com ela acoplada.
Então
nada parece mais cômodo do que aprovar a instalação de uma estação de antenas
para a empresa de telefonia Nextel em cima da cabeça da sua vizinha de prédio.
Qual o problema afinal? Se a sua cabeça está há bem mais metros e metros de
distância da tal antena do que a da sua vizinha? E se isso pode baratear o
condomínio?
Não me
parece diferente do que lamentar horrorizado todo o tipo de dano que o homem
possa já ter causado e continua causando ao planeta, enquanto lhe parece
impossível voltar do supermercado com suas compras sem estarem nas sacolinhas
plásticas para espalhar higienicamente nos lixinhos da casa inteira.
Coincidentemente pode também lhe soar bem complexo acordar meia hora antes para
usar o transporte coletivo diariamente, separar o lixo pensando em como ele
chegará naquela pessoa que de fato irá reciclá-lo, viver sem celular pendurado
na orelha, esperar tranquilamente “um” elevador apenas, tomar um banho bem
ágil. Sem dúvida também é cansativo repetir todos os dias para a sua filha que
planta precisa ser cuidada, lixo tem que estar na lixeira, "fast food" não faz
bem para saúde e a torneira não pode ficar aberta. Tudo isso faz a gente ter
certeza dos motivos pelos quais os países desenvolvidos, hoje em crise, aceitam
a ajuda do FMI, mas se negam a contribuir com o fundo para ajudar a combater a
miséria humana e a ambiental nos países pobres. Da mesma forma, soa para nós
também tão natural que deputados criem comissões especiais para votar às
escuras e em minoria mais uma proposta canalha para aumentarem os próprios
salários. Também não surpreenderia se os senadores aprovassem, caso a votação
chegasse ao Senado. Afinal de contas, o absurdo só é absurdo quando pinga no
bolso do vizinho e não no nosso. A diferença é que assim como um simples clique
pode espalhar todo o tipo de bobagem. Que transforme em celebridade a Luiza que
voltou do Canadá e outros tantos sanduíches, iches, iches, que nos façam dar
boas e saudáveis risadas. É possível ainda intervir naquilo que durante muitos
anos não esteve ao nosso alcance. Fazendo barulho, pautando a imprensa, fazendo
passeata. De peito de fora ou não. “Curtindo” na vida real todas as
possibilidades que você ainda tem de se indignar. Claro, desde que a antena da
Nextel não esteja na sua cabeça, nem o seu marido tenha a aposentadoria
estagnada e o seu banho possa ainda ser bem gostoso, quentinho e demorado.
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