O que leva uma pessoa a tirar a vida da mulher que acredita amar e a do
próprio filho? Por certo não é o mesmo motivo que faz alguém entrar no cinema
acreditando que é o Coringa e assassinar 12 inocentes que nada tinham a ver com
o Batman até o dia da tragédia.
Tampouco é o mesmo sentimento que tira do estado normal um número bem maior de pessoas
e as faz se encher de remédios, de álcool, de comida, de raiva, de falta de
paciência e de agressividade. O que parece ser o traço comum a esse tanto de
situações desprezíveis que assistimos na TV e por vezes vivenciamos em menor ou
igual escala em nossos cotidianos é o descontrole. Tanto aquele emocional, das perturbadoras
sensações de perda do marido abandonado quanto o de tratamento médico
preventivo ao psicopata americano. Que não foi o primeiro e infelizmente não
deverá ser o último a cometer esse tipo de atrocidade coletiva. Fatos nos fazem
voltar o olhar para os pequenos e desesperados deslizes e questionar o quanto
perder o controle vale a pena. Como a falta de lógica e calma no raciocínio pode
gerar ações constrangedoras, tristes e sentimentos ainda piores como o
irredutível arrependimento. Descontrolar-se é imprimir no espírito cicatrizes
sem direito a remoção. Marcas que só assombram quem as leva silenciosamente
dentro de si. Eu, do alto do meu exímio controle momentâneo e seletivo, porque
a minha e provavelmente também a sua lucidez interna costuma funcionar bem mais
para uso externo do que com seu pai, sua mãe, marido ou irmão. Não raro a mesma
pessoa gentil que chama atenção de conhecidos pela simpatia na rua e no
trabalho, veste as pantufas no final de semana e não abre o sorriso sequer uma
vez em casa. Coisas da vida. Vícios humanos que só o tempo alcança as lentes de
aumento necessárias para enxergar. Que por sorte, não nos levam armados ao
cinema encarnando o exterminador do futuro e nem a esfaquear a pessoa com quem
dividimos quase todos os sonhos. Até porque se cada abandono terminasse numa
atitude letal os 7 bilhões de pessoas do mundo seriam reduzidos a menos da metade.
Mas são pequenos e sórdidos detalhes que nos roubam preciosos momentos de pura
vida. Tiram a mira da bola bem na hora do pênalti. Fazem com que diariamente
acordemos impregnados de preguiça diante do sol, da chuva, das pessoas e das
nossas reais vontades. Porque a atenção está no pedido de desculpas que você
não conseguiu fazer, na tristeza por ter sido injusto bem com aquele alguém que
foi tão legal com você. Sutis sabotagens que só atrasam o encontro com a realidade.
Com a vida como ela tem que ser porque final sempre feliz não é a regra. É apenas
um momento especial em uma rotina cheia de delícias, normalidades e também de trânsito,
gente chata, burra, egoísta, louca, radiação, dias cinzentos, tsunamis,
injustiças, mentes perturbadas e serial killers. Há de se equilibrar atento e
dançar sem medo ao som da música que tocar para você.
Perfeição é aquele estado de espírito que você topa encarar a cada manhã. Com
sorte e uma boa dose de fé, à noite, a sua cabeça vai deitar tranquila no travesseiro,
cheia de preocupações e esperanças. Porque a existência é assim mesmo e no dia seguinte vai começar
tudo outra vez.
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