domingo, 5 de fevereiro de 2012
Fazer como deve ser feito
Escrever é que nem sexo, atividade física ou falar outro
idioma. Quanto mais se pratica, mais se sente a necessidade quase vital de
fazer. Quem, por circunstâncias momentâneas da vida, deixa de ter disciplina ou
sorte para seguir praticando tanto a escrita ou o inglês, quanto o sexo e os
exercícios, vai habituando-se à situação, e segue o baile. Nunca vi ninguém
morrer apenas pela falta de alguma dessas habilidades. Cada vez que eu paro um período
de escrever, retomo com angústia a procura não tão simples pela disciplina
dentro de mim. Intervalos que podem durar 15 dias ou dois meses e que só complicam
o processo. É também o empenho em fazer da vida aquilo
que lhe alimenta a alma. Um desafio quase banal perto dos acontecimentos dos últimos
dias, em que desabam prédios por irresponsabilidade e ganância, um músico
leva cinco tiros do vizinho por causa de uma dívida e a gente só presta
mais atenção porque era alguém conhecido. Notícias bem parecidas são publicadas
todos os dias. Mais um marido nervoso mata a mulher e
se mata depois, outro ministro cai e quase cem pessoas morrem em tumulto num
estádio de futebol no Egito. Além das corriqueiras falcatruas políticas que já
nem escandalizam mais. Por aqui se fala muito em como será possível
sediar uma Copa do Mundo. Já em 26 lugares de Tóquio são realizados treinamentos com 10
mil japoneses contra um provável novo tremor. É o que passaram a anunciar os cientistas
depois do tsunami de março do ano passado. Segundo eles, a probabilidade de um
tremor de intensidade 7 é de 70% nos próximos quatro anos. Eu não queria ter
nascido japonesa. A minha filha com olhos de gueixa já me encanta o suficiente. Mas como é possível um país não conseguir se organizar para erguer uma
infra-estrutura de Copa do Mundo em mais de quatro anos, enquanto o outro se
prepara, trabalha e treina para o momento de ser destruído
brutalmente pela força da natureza? Sem opção de escolha, orçamentos,
licitações, planejamento, sem reuniões ou direito a voltar a fita. Sem tempo
para pensa em tirar vantagem. Caso ocorram, os atrasos e as burocracias que podem levar a
Copa no país do futebol a ser um vexame planetário, eles acontecerão pelos mesmos
motivos egoístas dos empresários que derrubaram colunas estruturais do prédio
no centro do Rio. Exclusivamente para ampliar espaços e lucros de poucos. Ao
mesmo tempo em que eu acho muito difícil a população brasileira ser beneficiada
e não lesada, me recuso a não acreditar nas pessoas. Ainda acho que o Rio de
Janeiro continua lindo e tenho fé na alegria e no jeito amoroso de
gente comprometida e íntegra para simplesmente fazer
como deve ser feito. Pelo suficiente motivo que é assim que tem que
ser. Mais ou menos como a resignação dos japoneses. Um compromisso só seu com a
sua disciplina e consciência de andar em linha reta, de ser leal e de não fazer
sofrer ninguém por seus instintos mais egoístas e particulares. Sem chance de
engatar a ré. Não dá para dar só uma roubadinha rápida. É que nem trair só um
pouquinho ou estar meio grávida. Já que a minha greve com as palavras acabou
no meio da madrugada, dei de cara com uma sábia Bibi Ferreira falando de seu maior
arrependimento: “De ter
despachado minhas sobrancelhas”. Merece cada aplauso que recebe.
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